Por Simone Spadafora  (coordenadora técnica ASJ) e Lia Nasser (comunicação ASJ)

O envelhecimento populacional é um fenômeno não mais ignorado presente no século XXI. Quais as oportunidades e desafios presentes nesse processo? Novas políticas, estratégias, planos e leis sobre o envelhecimento vêm acontecendo, mas ainda há muito a ser feito. Estamos nos preparando, como sociedade, para esse momento?

O aumento da longevidade é uma das maiores conquistas da humanidade em razão de melhorias na nutrição, nas condições sanitárias, nos avanços da medicina, nos cuidados com a saúde, no ensino e no bem-estar econômico. A expectativa de vida aumentou e as oportunidades que essa evolução demográfica apresenta são infindáveis quanto às contribuições que uma população em envelhecimento, social e economicamente ativa, segura e saudável, podem trazer à sociedade.

A população em envelhecimento também apresenta desafios sociais, econômicos e culturais para indivíduos, famílias, sociedades e para a comunidade global. Com o aumento do número de pessoas idosas mais acelerado, em comparação a outras faixas etárias, surgem preocupações sobre a capacidade das sociedades de tratar dos desafios associados a essa mudança demográfica.

As pessoas, em todos os lugares, têm o direito de envelhecer com dignidade e segurança, desfrutando da vida através da plena realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Segundo o relatório Envelhecimento no Século XXI: Celebração e Desafio, é preciso considerar tanto os desafios como as oportunidades como sendo a melhor receita para o sucesso em um mundo em envelhecimento. O relatório é uma contribuição para a análise de 10 anos de implementação do Plano de Madri e para avaliação dos seus progressos, produto da colaboração de mais de 20 agências das Nações Unidas e organizações internacionais de maior vulto que trabalham na área do envelhecimento populacional, por meio de falas de pessoas idosas de toda a parte do mundo. A população é classificada como em processo de envelhecimento quando as pessoas idosas se tornam uma parcela proporcionalmente maior da população total. O declínio das taxas de fecundidade e o aumento da longevidade têm levado ao envelhecimento populacional.

Globalmente, as mulheres formam a maioria das pessoas idosas e costumam ser mais discriminadas, têm menor acesso ao trabalho e aos atendimentos em saúde, são mais sujeitas aos abusos, têm negado o direito a possuírem propriedades e a receberem herança, falta ainda renda básica e previdência social. Aos homens idosos, a partir da aposentadoria, faltam redes de suporte social, ocorrem abusos em geral no âmbito financeiro, entre outras.

Como vimos, a geração mais velha não é um grupo homogêneo, para o qual não bastam políticas generalistas. Cada grupo de pessoas idosas possui necessidades e interesses específicos que precisam ser tratados por programas e modelos de intervenção adequados a cada segmento.

Com as medidas certas, e um esforço global para assegurar atendimento à saúde, regularidade nos ganhos, redes sociais e proteção jurídica, existe um dividendo de longevidade a ser colhido em todo o mundo pelas gerações atuais e futuras.

O envelhecimento populacional apresenta desafios para os governos e sociedades, mas não precisa ser visto como crise. É possível transformar os desafios em oportunidades.

As vozes das pessoas idosas presentes no documento acima citado reiteram a necessidade de se garantir a renda, as oportunidades de trabalho flexível, o acesso a atendimentos em saúde e medicamentos de baixo custo, moradia e transporte adequados aos mais velhos, além da  eliminação da discriminação, violência e abusos. Também afirmam o desejo de manterem-se como membros ativos e respeitados na sociedade.

Sobre os desafios do envelhecimento, discriminação e violência, vamos focalizar o “idadismo” que surge quando a idade é utilizada para categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional, também podendo levar às violências. O idadismo prejudica nossa saúde e bem-estar e constitui um grande obstáculo à formulação de políticas e ações eficazes em envelhecimento saudável, como foi reconhecido pelos Estados-Membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Estratégia Global e no Plano de Ação sobre Envelhecimento e Saúde e na Década do Envelhecimento Saudável (2021- 2030). Em resposta, a OMS foi convidada a lançar com seus parceiros uma campanha global de combate ao idadismo.

É importante destacar que o idadismo é recorrente no cotidiano e nas instituições, na forma como as pessoas se veem e são vistas, mas nem sempre é identificado por quem comete ou sofre esse tipo de preconceito. Segundo o Guia de Boas Práticas para a Convivência Intergeracional “Superando o Idadismo” da Universidade de Brasília, como o idadismo é estrutural em nossa sociedade, se fazem necessários processos educacionais de modo a desconstruir a linguagem idadista no cotidiano das interações, na mídia e nas instituições. A palavra “ainda” questiona a capacidade de pessoas idosas, enquanto o “já” se refere ao desenvolvimento infanto-juvenil – estereótipos prejudiciais e injustos em relação à idade das pessoas. Essa subestimação impacta indivíduos e sociedades ao limitar o potencial de contribuição e enriquecimento mútuo que pessoas, em todas as idades, podem oferecer.

O idadismo ameaça o envelhecimento digno. O preconceito baseado na idade deixa marcas significativas que afetam todas as esferas da vida social. Somos imersos em sistemas sociais que promovem estereótipos relacionados à idade, gênero, raça e classe social, afetando nossas relações familiares, interpessoais e geracionais de forma cumulativa (interseccionalidade) e (re)produzem preconceitos. Atitudes idadistas explícitas negam a velhice como fase da vida, enquanto atitudes implícitas ocorrem de maneira naturalizada, de modo que pessoas de todas as idades ajam preconceituosamente.

A superação dos estereótipos relacionados à velhice, que frequentemente negam às pessoas o direito de desenvolverem projetos de vida e novas subjetividades como cidadãos, precisa ser conquistada.

O presente estudo entrevistou 30 pessoas idosas, usuárias de um Centro de Convivência em Carapicuíba/SP – a Associação São Joaquim de Apoio à Maturidade, em relação ao preconceito etário contra as pessoas que conquistaram muitos anos de vida. A Associação São Joaquim se enquadra no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), faz parte da política pública do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e destina-se ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. Tem por objetivo evitar o isolamento e fortalecer os vínculos com a família e com a comunidade. Estimular a integração e a troca de experiências entre os participantes, valorizando o sentido de vida coletiva e seus benefícios, de forma a promover o respeito às diferenças, a vitalidade comunitária, a colaboração, o autoconhecimento, a autoconfiança e a cidadania.

A Associação São Joaquim atende 350 pessoas idosas oportunizando a saída do isolamento e o desenvolvimento pessoal integral, gerando proteção social. A metodologia adotada é inspirada na Salutogênese e na Antroposofia, visa o desenvolvimento integral do ser humano: cabeça (pensar), coração (sentir) e mãos (agir), e proporciona um envelhecimento digno e pleno de sentido. Para isso, nos percursos de convivência são oferecidas atividades físicas, manuais, artísticas e cognitivas. A compreensão das trajetórias biográficas, a visão integral do ser humano e a aplicação de princípios de salutogênese unidas à implementação de práticas de fortalecimento de vínculos são estratégias que, juntas, aumentam o impacto da atuação melhorando significativamente a qualidade de vida das pessoas idosas envolvidas, beneficiando também as famílias e a sociedade. A Associação ainda colabora para que as pessoas idosas acessem direitos, exerçam a sua cidadania e possam atuar como força integradora no meio em que vivem, dando a sua rica contribuição.

Então, se o idadismo é recorrente no cotidiano e nas instituições, seria ele percebido, identificado, presenciado e/ou vivenciado pelas pessoas idosas entrevistadas?

Os resultados mostram que 83% das pessoas entrevistadas não identificam sofrer preconceito de idade. No entanto, quando questionadas se percebem o preconceito etário com outras pessoas, 80% afirma já ter presenciado situações onde ele aconteceu. Estes dados iniciais apontam para uma diferença significativa entre perceber o preconceito contra si mesmo e contra outras pessoas.
Os dados nos fazem refletir qual seria o motivo que leva a maioria das pessoas entrevistadas a não perceberem o preconceito de idade que provavelmente sofrem, já que ele é estrutural e bastante difundido no meio em que vivem. Existe a possibilidade de que este fato influencie no combate ao idadismo, já que não é possível se defender e defender um ponto que não é percebido, ou ainda, como hipótese, que não se quer enxergar. As situações de preconceito de idade estariam normatizadas? Que ações poderiam contribuir para mudar esta realidade? Como podemos construir um mundo para todas as idades? O tempo para endereçar a questão é agora!

A forma como pensamos, sentimos e agimos equivocadamente em relação  à  velhice precisa ser reformulada, não cabem mais estereótipos, preconceitos e discriminações. As pessoas idosas precisam conquistar o direito de desenvolverem projetos de vida e novas subjetividades como cidadãos. E a sociedade precisa contar com esta importante contribuição.

Crédito: Cena do vídeo institucional ASJ “Que velhice queremos?”

Ações e políticas públicas que coloquem as pessoas de todas as idades juntas nos espaços públicos da cidade, escolas, universidades, mercado de trabalho, academias ao ar livre ou espaços criativos e de lazer é um caminho para a construção de redes de solidariedade, vínculos, onde as pessoas se juntam, se cuidam e se protegem. “A base dessas ações é a própria educação intergeracional” – apontam os pesquisadores da UNB no “Guia de boas práticas para a convivência intergeracional” (2023).

São necessárias campanhas de comunicação institucionais e grande imprensa, pesquisas, informação, educação! Igualmente importantes são as ações voltadas para o fortalecimento das pessoas idosas, como os Centros de Convivência, que já são uma política pública, porém pouco difundida. Os nossos entrevistados, ainda sobre o preconceito, reforçam que:

“Existe por falta de informação. Se ouvissem mais, pesquisassem mais, seriam menos preconceituosas”. (M.S., 67a)

 “Falta de informação, falta de respeito! Todos vão envelhecer e… não demora”. (M.S., 69a)

“Não sei! Será que pensam que não vão envelhecer?” (I.A., 81a)

“A forma de educar as crianças gera o preconceito, é preciso ensinar desde cedo a respeitar os idosos. São ignorantes porque se não morrerem ficarão como a gente, todos passarão por isso”. (M.M., 68a)

“O preconceito é estrutural, está na má educação”. (J.P., 67a)

Outro dado relevante da pesquisa que contribui nesta reflexão, é que 85% das pessoas entrevistadas não sabem o que significa a palavra idadismo, no entanto reconhecem o preconceito de idade na sociedade, em especial quando acontece com outras pessoas.

Quando a pergunta é sobre viver a velhice, muitas pessoas demonstram ter consciência sobre a existência do preconceito e da discriminação pelo avanço da idade:

“Vamos envelhecendo e sendo abandonados, esquecidos”. (L.R.,73a)

“O preconceito existe por conta do desprezo dos mais jovens que se esquecem que também chegarão lá”. (J.S., 71a)

“O preconceito existe principalmente na família, que acha que os mais velhos não servem para mais nada”. (A.N., 75a)

“Acho que o preconceito existe por ignorância, ele existe em tudo! É ruim para quem sofre”. (J.F., 70 a)

Quando há espaço para a subjetividade, para o pertencimento e para o “direito de Ser”, como no âmbito do Centro de Convivência, com proteção social, garantia de direitos, valorização da pessoa humana e idosa, a visão e a vivência da velhice conquistada, parte do ciclo vital, passa a ser positiva e celebrada, como podemos conferir a partir dos depoimentos das pessoas que frequentam o Centro de Convivência da Associação São Joaquim:

“As pessoas acham que nunca vão ser velhas, que vão morrer antes. Ser velho é muito maravilhoso, podemos transmitir aprendizados e evitar os erros que nós já cometemos e sofremos.” (M.D., 62a)

“Estamos começando a viver, uma fase de oportunidade para viver o que não foi vivido” (M.M., 70a)

“A velhice é o caminhar, o ciclo da vida” (J.V., 67a)

“É preciso aproveitar bem os momentos que restam” (A.N., 75a)

“Existe muita vida também na velhice” (E.G., 72a)

“A velhice é experiência de vida, quanto mais se vive mais se aprende” (M.F., 73a)

“Vejo de forma natural, chegou! Vamos aceitar!” (S.L., 68a)

“Um tempo que passou, que trouxe aprendizados e continua. A natureza permitiu e nós aceitamos! Aceito a velhice. Não gosto das dores, mas entendo que elas são consequências das lutas do nosso dia a dia” (D.S., 75a)

“Tenho mais tempo pra mim” (M.S., 67a)

O Brasil plural, como reconhecemos, só o é porque há um grupo muito diversificado de pessoas, entre elas as pessoas mais velhas. Ainda nas falas das pessoas idosas entrevistadas, é possível destacar visões ampliadas e positivas como:

“A velhice depende de cada um. Em certa idade, é preciso ter cabeça e força de vontade para viver. As pessoas julgam, não respeitam. (…) Eu não penso em idade, deixo a vida me levar, vou à luta!” (M.S., 73a)

“A velhice tem muitos pontos de vista. Um deles é: Como você se preparou para envelhecer? Pode ser tranquilo!” (Z.S., 69a)

As respostas trazidas neste estudo dialogam com o documento “Envelhecimento no Século XXI”. A  velhice pode ser celebração ou desafio, e também as duas coisas. Pode ser celebração quando se tem espaço de “ser” e de “existir” de forma digna, subjetiva e protagonista. Porém, a ausência ou a insuficiência de tais condições, a falta de espaços, de acessos, de escuta e voz, traduzem os desafios da sobrevida: a velhice como uma fase de medo, preocupações, perdas, tristeza e dor.  Envelhecer é uma conquista! Envelhecer de forma saudável, com ampla garantia de direitos, participação social, afeto e ética, precisa ser um processo garantido para todas as pessoas. E cada um(a) de nós precisa fazer a sua parte.

 

Referências Bibliográficas:

Envelhecimento no Século XXI: Celebração e Desafio. www.unfpa.org, 2015.

Superando o Idadismo: Guia de boas práticas para a convivência intergeracional. Universidade de Brasília, 2013.

Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Ministério do Desenvolvimento Social – Secretaria Nacional de Assistência Social, 2017.

Salutogênese: O caminho para viver e envelhecer bem. Rosales, M. 2016.

Pesquisa realizada com 30 pessoas idosas na Associação São Joaquim de Apoio à Maturidade. Carapicuíba/SP, 2024. www.saojoaquim.org.br

http://envelhecercidadao.wixsite.com/envelhecercidadao

http://www.longevida.ong.br/glossario_idadismo.pdf

https://apps.who.int/iris/handle/10665/340208